VII. Renascimento

Na medida em que existe esta força Kámmica, o renascimento ocorre, pois os seres são simplesmente a manifestação visível desta força Kámmica invisível. A morte não é nada mais que o fim temporário deste fenómeno temporário. Não é a aniquilação completa do chamado ser. A vida orgânica cessou, mas a força Kámmica que agiu até agora não foi destruída. Uma vez que a força Kámmica permanece completamente inalterada pela desintegração do corpo efémero, a morte do presente momento mental só condiciona uma nova consciência em outro nascimento.

É o Kamma, enraizado na ignorância e desejo, o que condiciona o renascimento. O Kamma passado condiciona o nascimento presente; e o Kamma presente, em combinação com o Kamma do passado, condiciona o futuro. O presente é filho do passado, e por sua vez, se torna o pai no futuro.

Se assumimos uma vida passada, presente e futura, então, somos confrontados com o alegado misterioso problema – “Qual é a origem última da vida?”

Poderia haver um principio para a vida ou poderia não haver.

Uma escola, na tentativa de resolver o problema, postula uma causa primeira, Deus, considerado como uma força ou como um Ser Todo-Poderoso.

Outra escola nega a primeira causa, uma vez que, de acordo com a experiência comum, a causa sempre se converte no efeito e o efeito se converte na causa. Em um círculo de causa e efeito uma primeira causa é inconcebível. De acordo com a primeira, a vida teve um principio, de acordo com a segunda, não há principio.

Do ponto de vista científico, somos os produtos diretos do espermatozoide e do óvulo fornecidos por nossos pais. Neste sentido, a vida precede a vida. Com respeito à origem do primeiro protoplasma de vida, ou coloide, os cientistas alegam ignorância.

Segundo o Budismo, nós nascemos da matriz da ação (Kammayoni). Os pais proporcionam simplesmente uma pequena célula infinitesimal. Deste modo, o ser precede o ser. No momento da conceção, é o Kamma passado que condiciona a consciência inicial que vitaliza o feto. Esta energia Kámmica invisível, gerada desde o último nascimento passado, é a que produz tanto os fenómenos mentais como o fenómeno da vida em um fenómeno físico já existente para completar o trio que constitui o homem.

Para nascer aqui um ser, outro ser deve morrer em alguma parte. O nascimento de um ser que significa estritamente o surgimento de cinco agregados ou fenómenos psicofísicos nesta vida presente, corresponde à morte de um ser em uma vida passada; Igual a, como em termos convencionais, o nascer do sol em um lugar significa o pôr do sol em outro. Esta afirmação enigmática poderia ser melhor entendida imaginando a vida como uma onda e não como uma linha reta. Nascimento e morte são apenas duas fases de um mesmo processo. O nascimento precede a morte, e a morte, por outro lado, precede o nascimento. A sucessão constante de nascimento e morte em conexão com cada fluxo de vida individual constitui o que é tecnicamente conhecido como Samsāra – o vaguear recorrente.

Qual é a origem última da vida? O Buddha declara:

O princípio deste Samsāra é inconcebível. Um primeiro princípio dos seres que, obstaculizados pela ignorância e agrilhoados pelo desejo, vagueiam e seguem vagueando, não pode ser concebido.”

Esta corrente de vida flui ad infinitum enquanto é alimentado pelas turvas águas da ignorância e do desejo. Somente quando esses dois são completamente suprimidos, se assim se desejar, a corrente deixa de fluir e o renascimento termina como no caso dos Buddhas e Arahats. Não pode determinar-se um primeiro começo desta corrente de vida, como também não pode ser percebido um estado em que esta força de vida não tenha estado cheia de ignorância e desejo.

O Buddha referiu-se aqui apenas ao principio do fluxo de vida dos seres viventes. Se deixa para os cientistas especularem sobre a origem e a evolução do universo. O Buddha não tenta resolver todos os problemas éticos e filosóficos que inquietam a humanidade. Nunca trata de teorias e especulações que não se ocupem de como incutir em alguém sentimentos de piedade e virtude ou de Iluminação. Tampouco exige fé cega de seus seguidores. Ele preocupa-se sobretudo com o problema do sofrimento e sua cessação. Com nada mais que esse especifico propósito prático em vista, todas as questões laterais irrelevantes são completamente ignoradas.

Mas, como é que vamos acreditar que existe uma existência passada?

A prova mais valiosa que os Budistas mencionam a favor do renascimento é o Buddha, pois desenvolveu um conhecimento que lhe permitiu ler vidas passadas e futuras.

Seguindo suas instruções, os seus discípulos também desenvolveram esse conhecimento e eram capazes de ler suas vidas passadas em grande medida.

Mesmo alguns indianos Rishis, antes do advento do Buddha, distinguiam-se por possuírem poderes psíquicos, tais como supra-audição, clarividência, leitura da mente, lembrança de nascimentos passados, etc.

Há também algumas pessoas, que provavelmente em conformidade com as leis da associação, desenvolvem espontaneamente a memória de seu nascimento passado e lembram-se de fragmentos de suas vidas anteriores. Tais casos são muito raros, mas estes poucos bem certificados e respeitáveis casos tendem a lançar alguma luz sobre a ideia de um nascimento passado. É o mesmo caso das experiências de alguns parapsicólogos modernos confiáveis e os estranhos casos de personalidades múltiplas e alternativas.

Em estados hipnóticos alguns relatam experiências de suas vidas passadas; enquanto que outros poucos leem as vidas passadas de outros e até mesmo curam doenças.1

Algumas vezes temos experiências estranhas que não podem ser explicadas senão pelo renascimento.

Com que frequência encontramos pessoas que jamais as tínhamos visto e ainda assim sentimos instintivamente que nos são bastante familiares? Quantas vezes visitamos lugares e nos sentimos impressionados ao notar que conhecemos perfeitamente esses ambientes?

O Buddha nos disse:

Através de associações prévias ou vantagens presentes, esse velho amor brota de novo como a flor de lótus na água.”

As experiências de alguns modernos parapsicólogos de confiança, os fenómenos fantasmagóricos, comunicações espíritas, as personalidades alternativas e múltiplas e tudo isso derramam alguma luz sobre este problema do renascimento.

A este mundo vêm Perfeitos como os Buddhas e personalidades altamente desenvolvidas. Será que eles evoluem de repente? Podem ser produto de uma única existência?

Como explicar grandes personalidades como Buddhagosa, Panini, Kalidasa, Homero e Platão; homens de génio como Shakespeare, meninos prodígios como Pascal, Mozart, Beethoven, Raphael, Ramanujan, etc.?

Hereditariedade sozinha não pode explicar. “Além disso sua ascendência iria revelar-se, sua descendência, em grau ainda maior que eles mesmos, demonstraria isso.”

Será que eles chegariam a esses patamares tão sublimes se não tivessem vivido vidas nobres e obtido experiências semelhantes no passado? Será que foi mera causalidade nascer daqueles pais particulares e colocados sob essas circunstâncias favoráveis?

Os poucos anos que temos o privilégio de passar aqui, para a maioria não mais de 100 anos, devem certamente ser uma preparação inadequada para a eternidade.

Se alguém acredita no presente e no futuro, é bastante lógico acreditar no passado. Este é o filho do passado e atua, por sua vez, como um pai do futuro.

Se há alguma razão para acreditar que existimos no passado, então, certamente não há nenhuma razão para não acreditar que vamos continuar a existir depois que nossa vida presente tenha cessado em aparência.

O seguinte, é na realidade, um argumento sólido a favor de vidas passadas e futuras: “Neste mundo as pessoas virtuosas são muitas vezes desafortunadas e pessoas viciosas são prósperas.”

Um escritor ocidental disse:

Acreditando em uma existência passada ou não, isto supõe a única hipótese razoável que cobre algumas lacunas no conhecimento humano relativos a certos factos da vida diária. Nossa razão nos diz que unicamente essa ideia de nascimento passado e Kamma pode explicar os graus de diferença entre gémeos, porque os homens como Shakespeare, com uma experiência muito limitada, são capazes de retratar com maravilhosa exatidão os mais diversos tipos de caráter humano, cenários e assim por diante, dos quais eles não poderiam ter conhecimento real; porque o trabalho dos génios, invariavelmente transcende a sua experiência, a existência da precocidade infantil, a vasta diversidade mental e moral, cerebral e psicológica, de condições, circunstâncias e ambientes observáveis em todo o mundo, e assim por diante.”

Deveria afirmar-se que esta doutrina do renascimento não pode nem ser provada nem refutada experimentalmente, mas é aceite como um facto claramente verificável.

A causa deste Kamma, continua o Buddha, é Avijjā ou ignorância das Quatro Nobres Verdades. A ignorância é, portanto, a causa do nascimento e da morte; e sua transmutação em conhecimento ou Vijjā, é consequentemente, a sua cessação.

O resultado deste método analítico é sintetizada no Paticca Samuppāda (A Origem Dependente).


1Ver Many Mansions e The World Within, de Gina Cerminara

1 thoughts on “VII. Renascimento

  1. Pingback: [Vídeo] O renascimento no budismo « Olhar Budista

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.